Olhar Econômico

Maior viabilidade para a recuperação judicial

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

17 de agosto de 2017, 10h25

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]A recuperação judicial, a regulação extrajudicial, a falência do empresário e da sociedade empresária são regulados no Brasil pela Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. O advento do instituto da recuperação judicial em nosso ordenamento, deveu-se a essa lei, que, nesse tocante, se inspirou no Capítulo XI, do Código de Falências (Bankruptcy Code) dos Estados Unidos da América, de 1978.

Mesmo tendo sido a Lei 11.101/2005 considerada um avanço, passados doze anos de sua vigência, tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, cerca de 50 projetos visando alterá-la. Tal se deve ao fato de os índices obtidos para a solução de crise de empresas no Brasil não serem nada confortadores.[1] Presentemente funciona, no âmbito do Ministério da Fazenda, um Grupo de Trabalho formado por representantes da Secretaria de Acompanhamento Econômico, Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, Banco Central, bem como de advogados, professores e magistrados, que examinam propostas de alteração oriundas dos mais variados setores.

É usual que trabalhos legislativos de um país busquem orientação em leis já testadas em outros ordenamentos jurídicos. Inobstante os Estados sejam ciosos da autonomia soberana de seu próprio sistema legal, não podem prescindir da experiência vivenciada alhures, pois ela economiza erros e maximiza acertos. No presente caso, dois ordenamentos jurídicos são de particular interesse: (i) o dos Estados Unidos da América, que já influenciou a redação da vigente lei brasileira em questão; e (ii) o do Chile, que, recentemente, aprovou nova lei de recuperação judicial: Ley de Reorganización y Liquidacion de Empresas y Personas — 20.720/2014. Cabe lembrar ser o Chile o país latino-americano mais moderno e atualizado em matéria de legislação comercial e internacional; sendo o único membro permanente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), dentre os países da América do Sul. Não é por acaso que vários projetos de modificação da lei ora sob exame, são influenciados pelas leis estadunidense e chilena.

Iniciemos breves considerações sobre a lei norte-americana, explicitando o Fresh Star, o Debtor-in-possession Financing (DIP Financing) e a liberdade de criação de classes de credores. Enquadrar-se-iam no primeiro o processo de recuperação que possibilita à empresa e ao sócio voltarem mais facilmente à vida empresarial; não os rotulando com uma pecha; não os impedindo por períodos longos, mas possibilitando a reorganização de suas finanças e a apresentação de plano aceitável de pagamento de dívidas. Por meio do Dip Financing, a lei ao possibilitar que a empresa em crise financie investimentos e operações com créditos novos, revestidos de nível de prioridade maior que o dos créditos preexistentes não dotados de garantia, dá a segurança jurídica para que possa haver dinheiro novo. O não reconhecimento do princípio de igualdade entre credores — pars conditio creditorum —, a não existência de classes pré-determinadas de credores e a liberdade para criá-las permite constituir credor/financiador estratégico. A Seção 364 do Bankruptcy Code concede incentivos legais aos que financiam empresas em crise, dando-lhes prioridade no recebimento, relativamente a credores existentes. Possibilita-se, também, à empresa devedora contrair dívidas sem garantia, para aplicação dos recursos obtidos no ordinary course of business ou mesmo fora do curso normal dos negócios; sendo, nessa última hipótese necessária autorização judicial. Provavelmente a razão de a maioria das empresas recuperandas estadunidenses apresentarem plano de recuperação judicial viável economicamente, que redundam na efetividade da recuperação, deva-se:

(I) ao tempo razoável de 120 dias para planejar e apresentar o Plano;
(II) à maior liberdade de se estabelecer classes de credores;
(III) à utilização adequada e frequente do DIP Financing;
(IV) aos raros casos de haircut alto;
(V) à aplicação a quase todas as modalidades empresariais;
(VI) à participação do Fisco na recuperação judicial.

A recente lei chilena de falência e insolvência possui características dignas de nota. Os condutores do processo são o juiz e a Superintendencia de Insolvencia y Reempreendimento (SIR). Cabe a ele, analisar o cumprimento das regras, velar que todos os credores participem e exerçam seus direitos; bem como, analisar a legalidade dos requerimentos e das avenças e o cumprimento dos prazos. A SIR monitora as atividades das entidades relacionadas, verificando se elas cumprem o determinado pela lei, eficiente, eficaz e transparentemente, e se esforçam para que o processo de recuperação chegue, o mais celeremente possível, a bom termo.

Existem, ademais, outras figuras de importância: o veedor, o liquidador e o martillero. Ao veedor, profissional concursado especialista em negociação, compete em especial: (i) facilitar o acordo entre devedor e credores; (ii) requerer medidas cautelares e de conservação de bens do devedor, para resguardar interesses dos credores; (iii) prestar contas ao tribunal competente e à SIR, a respeito de ato ou conduta do devedor; e (iv) formular e publicar boletin concursal (diário oficial informativo dos processos de recuperação judicial e de falência). As principais funções do liquidador são: (i) representar judicial e extrajudicialmente os interesses dos credores e os direitos do devedor; (ii) efetivar as resoluções adotadas pelo Conselho de Credores; (iii) inventariar bens do devedor; e (iv) requisitar prestação de contas do devedor. Já, o martillero é o leiloeiro público especializado, que é responsável pelo processo de venda dos ativos do devedor, no processo de falência.

É possível e útil cotejar certas características atuais do processo de recuperação do Brasil com as dos Estados Unidos da América e do Chile.

Enquanto nos EUA, há liberdade de se criar classes de credores, no Brasil há quatro classes pré-determinadas: trabalhista e acidentes de trabalho; garantia real; credores quirografários, privilegiados e subordinados; e microempresário. Devendo, ademais, observar-se a igualdade entre os credores da mesma classe. Aqui, a partir do deferimento de seu processamento, o plano de recuperação deve ser apresentado, no prazo exíguo de sessenta dias. Já existe, na legislação brasileira, a possibilidade de a empresa em recuperação obter novos créditos, mas não há ambiente jurídico propício para tanto. Além de não haver incentivo para que se analise e se aprove DIP Financing, resolução do Banco Central do Brasil classifica as empresas recuperandas, para fins creditícios, como sendo de maior risco.

O veedor é a figura existente no ordenamento chileno, que mais se aproxima da do Administrador Judicial, brasileiro. Contudo, enquanto aquele deve, obrigatoriamente, ser especialista em negociação, este nem sempre é profissional especializado; contribuindo, às vezes, para procrastinar o processo e prejudicar o andamento da recuperação. Ademais, a atual sistemática brasileira de fixação da remuneração do Administrador, baseada no valor do crédito e não nas especificidades do processo, desencoraja a aceitação desse múnus por parte de profissionais especializados, capazes e dedicados. Após a vigência da Lei 20.720/2014, a duração média da recuperação judicial no Chile é de seis meses, enquanto que a da falência, de um ano.

Modernizar e aperfeiçoar a legislação brasileira sobre empresa em crise será um grande passo, embora, de per si, não tenha o condão de melhorar a taxa de resolução efetiva da insolvência empresarial, nem eleve a posição do Brasil no ranking da efetividade da recuperação judicial. É imprescindível que não se utilize, pouco ortodoxamente e com prejuízo da boa-fé e da razoabilidade, a legislação que virá.


[1] RODAS, João Grandino. “Urge força-tarefa para adequar a recuperação de empresas”, Revista Eletrônica ConJur, 25 de maio de 2017.

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    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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