Dois pesos

Deserção de militar em serviço voluntário não deve ser crime, diz Defensoria

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17 de agosto de 2017, 14h00

Deserção de militar não pode ser considerada crime se o serviço for voluntário e o país estiver em tempo de paz. Com base nesse argumento, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro recorreu da sentença que condenou um cabo do Corpo de Bombeiros Militar fluminense a 6 meses de detenção pelo artigo 187 do Código Penal Militar (“ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias”).

O defensor público Thiago Belotti, que atua junto à Auditoria Militar, considera a punição no âmbito criminal “um excesso” e, no recurso, requer “declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto” do artigo 187 do Código Penal Militar.

“Não faz o menor sentido a criminalização da deserção na hipótese de serviço militar voluntário e em tempo de paz. Nessas circunstâncias, a aplicação de punição criminal ao delito de deserção revela-se inconstitucional. É preciso ficar claro que não se trata de arguir a inconstitucionalidade do artigo 187 do Código Penal Militar para todas as hipóteses, mas, sim, reconhecer que é inconstitucional aplicá-lo especificamente nesse caso. O que se pretende é reconhecer que a lei ou ato normativo, sob algum aspecto, em dada situação, sob determinada variante, revela-se em descompasso com a Constituição”, explica Belotti.

O cabo ingressou na corporação por concurso público, o que confere ao serviço prestado por ele caráter voluntário, segundo Belotti, já que tem o direito potestativo de pedir baixa a qualquer momento, inclusive sem necessidade de fundamentação. Tal condição, de acordo com o defensor público, torna a situação do réu diferente daquele que abandona a corporação em tempo de guerra.

“Há no Brasil três modalidades diversas de serviço militar: voluntário em tempo de paz, obrigatório e em tempo de guerra, e cada uma delas deve ser tratada na medida de suas especificidades. É nítida a distinção entre o serviço militar voluntário exercido pelo apelante, que ingressou nas fileiras do Corpo de Bombeiros por concurso público, e o serviço militar obrigatório, em que o recrutamento se dá por seleção, convocação, incorporação ou voluntariado, em geral pelo período de doze meses e sem que o engajado possa pedir baixa”, destaca.

Desconsiderar esses pressupostos, analisa Belotti, é ferir o princípio da isonomia, que deve ser analisado, inclusive, à luz da capacidade eleitora dos militares de carreira e dos conscritos, esses últimos inelegíveis e sem direito a voto durante o período do serviço militar obrigatório.

“Quanto à deserção em tempo de guerra, vale destacar que se o crime for perpetrado na presença do inimigo a pena pode ser a de morte. Mais uma vez resta patente a distinção entre o serviço prestado pelo apelante (em tempo de paz e voluntário), o serviço militar obrigatório e o em tempo de guerra. Ausências durante o serviço militar obrigatório ou em tempo de guerra não podem receber o mesmo tratamento jurídico das ausências do militar que presta serviço de caráter voluntário”, diz o defensor no recurso.

O pedido de reforma da sentença contém argumentos também segundo os quais a pena imposta ao cabo fere os princípios da proporcionalidade e da intervenção mínima.

“O regulamento disciplinar do Corpo de Bombeiros do Rio estabelece claramente que a falta ao serviço é infração disciplinar, de sorte que a não criminalização da conduta não significa sua impunidade. Bastaria punição no âmbito administrativo, o que poderá levar inclusive à prisão administrativa por até 30 dias ou ao licenciamento do infrator a bem da disciplina. É desproporcional a criminalização da deserção no serviço voluntário em tempo de paz.” Com informações da Assessoria de Imprensa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

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